O erro orográfico
- Heleno Proiss Slompo
- 9 de jun.
- 4 min de leitura
Por que a Serra da Borborema não é a causa do semiárido nordestino?

Imagem de Cordeiro et al., 2017
Um erro bastante comum, presente em livros didáticos e frequentemente reproduzido pela mídia, é associar as serras do Nordeste, em caso especial o planalto da Borborema, como barreiras orográficas significativas para a entrada de umidade na região. Essa explicação, embora sedutora pela sua simplicidade, tende a mascarar os reais fatores e a complexidade climática do semiárido nordestino que incluem os fatores de circulação atmosférica muito importantes e os feedbacks regionais entre atmosfera e superfície que retroalimentam o clima semiárido do “Polígono das Secas” dessa região do Brasil.
A região semiárida do Brasil, majoritariamente situada no Nordeste, ocupa uma área de aproximadamente 982.563,3 km², abrangendo 1.133 municípios e abrigando cerca de 22 milhões de pessoas. Esse território se destaca pela intensa incidência solar, com uma média de 2.800 horas de sol por ano. As temperaturas são elevadas ao longo de todo o ano, variando entre 23 °C e 27 °C na média. As chuvas são escassas — em muitos locais, inferiores a 350 mm por ano — e apresentam distribuição irregular, concentrando-se em um curto período durante o verão do Hemisfério Sul.
Durante muito tempo, acreditou-se que o planalto da Borborema tivesse efeito de barreira física que impedia a penetração da umidade oceânica vinda do Leste para o interior da região nordestina. Para esta percepção, massas de ar úmido oriundas do Oceano Atlântico colidiriam com a elevação do planalto, condensando-se nas encostas voltadas para o litoral (barlavento) e provocando chuva, enquanto nas encostas opostas (sotavento), já sem umidade, prevaleceria o clima seco. No entanto, esse entendimento simplificado não se sustenta frente à análise geográfica e climatológica mais complexa.
A verdade é que o planalto da Borborema possui altitudes modestas, em torno de 500 metros, e não apresenta uma extensão latitudinal ou longitudinal significativa, especialmente se comparado a barreiras montanhosas como os Andes ou o Himalaia, que realmente influenciam largamente os padrões climáticos em seus respectivos continentes. Portanto, embora o relevo da Borborema possa exercer algum efeito local, ele é secundário diante de outros mecanismos climáticos mais relevantes e não é o principal causador da seca.
Entre os fatores determinantes do clima semiárido nordestino estão as grandes células de circulação atmosférica, como a Célula de Hadley (escala global) e a Célula de Walker (escala regional). Esses sistemas atuam na redistribuição de calor e umidade pelo planeta, sendo particularmente relevantes em regiões de clima extremo, como desertos ou áreas semiáridas. No Nordeste, a dinâmica dessas células influencia diretamente a formação e a frequência das chuvas.
Outro elemento essencial é a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), faixa de nebulosidade que acompanha o aquecimento da superfície equatorial. Durante o verão do Hemisfério Norte, a ZCIT migra para o Hemisfério Norte, reduzindo sua influência no Nordeste brasileiro e diminuindo as chances de precipitação na região. Além disso, o deslocamento da Célula de Walker mais para o leste (como uma esteira de ventos) pode inibir ainda mais a ocorrência de chuvas, intensificando a semiaridez.
Somam-se a esses fatores as características do solo regional, predominantemente raso, de origem cristalina e com baixa capacidade de infiltração. Essa condição limita a retenção de água e compromete o ciclo hidrológico regional, tornando-o breve e pouco eficiente. Mesmo nos períodos chuvosos, a água disponível rapidamente escoa ou evapora, o que reforça a característica seca do ambiente por retroalimentação.
Portanto, a aridez do semiárido nordestino é resultado de uma complexa interação entre fatores atmosféricos, latitudinais, geológicos e hidrológicos — muito além da simples presença de barreiras do relevo modestas. Entender essa complexidade é fundamental para elaborar políticas públicas eficazes e promover o uso sustentável dos recursos na região. Até ao se falar em origem dos grandes desertos, dificilmente o fator climático se reduz à um só, mas engloba pelo menos dois fatores para além da circulação atmosférica de alta pressão, que acaba sendo um dos mais representativos.
Referências usadas
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