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Quando Hollywood exagera

  • Foto do escritor: Heleno Proiss Slompo
    Heleno Proiss Slompo
  • 29 de jul.
  • 3 min de leitura

Erros do filme “O Dia Depois de Amanhã”


O filme foi um sucesso entre o público, mas deixou os cientistas inquietos. Ora, por um lado, pode ter sido positivo lançar uma produção com um orçamento superior a uma centena de milhões, abordando os efeitos das Mudanças Climáticas e retratando desastres climáticos que podem e estão acontecendo. Era 2004, e o longa marcou a continuidade dos intensos debates sobre questões ambientais — sobretudo após a emergência mundial da “Camada de Ozônio”. Nada melhor, portanto, do que lançar um filme hollywoodiano que mostrasse a gravidade dessa questão ambiental e permanecesse atual por, pelo menos, duas décadas. O objetivo de alertar a população sobre as Mudanças Climáticas foi cumprido, embora com muitos erros e exagero.


Sem maiores pormenores, o longa trouxe a dificuldade do protagonista e sua equipe de convencer as autoridades políticas do problema de mudanças climáticas muito iminente e que poderia mudar radicalmente o clima do planeta e afetar todo o Hemisfério Norte, foco do filme. A Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC) passou a apresentar condições anômalas, e, como bem se sabe, as correntes oceânicas são importantíssimas para a dinâmica global (vide o evento ENOS), e afeta a circulação atmosférica através dos fluxos de energia. O filme retrata alguns métodos utilizados de modelagem físico-meteorológica e em causas que de fato acarretam mudanças climáticas, mas é aí que as coisas começam a ficar desproporcionais.


A mudança do clima global, como apresentada no filme, ocorre em um intervalo de tempo incrivelmente curto — algo praticamente impossível a partir os conhecimentos atuais da ciência climática. Para dar dramaticidade à trama, é criada uma corrida contra o tempo na qual alternativas para proteger a população devem ser pensadas em questão de dias. No entanto, alterações no padrão das correntes marítimas, como as mostradas no longa, levariam vários anos para acontecer, exigindo um ciclo de feedback climático com resposta persistente e prolongada e que estaria associada à muitos outros fenômenos físicos não colocados na narrativa.


Além do problema temporal, o filme também apresenta uma questão espacial inconsistente. O colapso da circulação termohalina — essencialmente a corrente que regula a temperatura global — não provocaria, como mostra a narrativa, eventos extremos em lugares tão distantes e variados como todo o Hemisfério Norte. Especificamente nos Estados Unidos, palco principal do filme, vemos situações como furacões na Califórnia e um furacão congelante que se desloca no Golfo do México e congela tudo repentinamente. Esses fenômenos são descritos como extremamente raros e imprecisos para essas regiões, pois demandariam condições atmosféricas muito específicas, que o filme tenta justificar de forma demasiado superficial. Na verdade, está praticamente tudo errado.


Um dos elementos mais exagerados é a temperatura extrema apresentada no filme, que diz atingir -100 °C em regiões de latitudes médias superiores. Isso ultrapassa os limites da realidade: a menor temperatura registrada foi -89,2 °C na Estação Vostok, Antártida, durante o inverno austral. Tal frio, no filme, é fortalecido por um furacão que contradiz as leis da física ao se formar a partir da descida de ar frio — uma inversão absurda dos mecanismos atmosféricos reais, sendo que, na verdade, o olho do furacão é uma zona de baixa pressão e de confluência de ar quente, e não de ar frio.


Outra imprecisão é o aumento acelerado do nível do mar pelo degelo de regiões de média e alta latitude, como no caso da Groelândia, o que gera amento de níveis de centímetros na elevação do mar em poucos dias. Para completar, o longa mostra um maremoto gigantesco atingindo Nova Iorque — uma cena impactante, mas implausível diante das justificativas fornecidas. Curiosamente, o filme encerra congelando novamente os oceanos, retraindo os volumes hídricos e criando uma extensa massa de gelo na porção norte do planeta. Essa nova paisagem provoca a migração da população para áreas tropicais e, quase que instantaneamente, contribui para a queda das emissões de gases de efeito estufa. Embora dramático, esse desfecho está longe de qualquer possibilidade realista.


A narrativa então apresenta uma transição climática incoerente — inicia com o aquecimento global e, subitamente, passa para um resfriamento abrupto. Os eventos extremos se sucedem em um crescente de impacto visual, cada um mais extraordinário que o anterior. É inegável que o filme cumpre bem sua proposta de entretenimento ao trazer uma sequência de cenas espetaculares e bons recursos visuais para a época em que foi lançado. E, embora cientificamente impreciso e extensivamente repleto de erros, o foco não foi seguir as leis da física, mas apenas apresentar a questão das Mudanças Climáticas através de um blockbuster, como a própria equipe de produção do filme citou.

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