O clima sob controle
- Heleno Proiss Slompo
- 26 de mar.
- 4 min de leitura
A semeadura de nuvens e a inovação da ciência em fazer chover

O ciclo hidrológico é um dos fenômenos mais fascinantes do sistema terrestre e um dos mais complexos que envolvem as Ciências Atmosféricas. É graças as nuvens, que são fenômenos-chave para a dinâmica climática da Terra, que os processos ocorrem. Além de regular o balanço térmico ao refletir radiação solar e reter calor, elas redistribuem a umidade e a precipitação pelo planeta. Para que ocorra chuva, é necessário umidade atmosférica suficiente, condições de saturação e a presença de núcleos de condensação (NCC) — partículas microscópicas, como poeira ou aerossóis, que servem de base para a formação de gotículas. Esse princípio inspira técnicas como a semeadura de nuvens, que introduz partículas artificiais (a exemplo do iodeto de prata, o Agl) para estimular a condensação e induzir chuva.
A precipitação pode surgir em forma sólida (neve, granizo) ou líquida (chuva). Para vencer as correntes ascendentes e a resistência do ar, as gotas precisam crescer por meio de processos como o Bergeron (em nuvens frias, onde cristais de gelo absorvem vapor de gotículas super-resfriadas), a colisão-coalescência (fusão de gotículas em nuvens quentes) e/ou por acréscimo (gelo que captura gotículas e derrete ao cair). Em todos os casos, os núcleos de condensação são fundamentais, pois aceleram a aglomeração de partículas, demonstrando como a interação entre processos naturais e intervenções humanas na física da atmosfera modela o ciclo hidrológico.
O método estático de semeadura de nuvens foi o pioneiro na incorporação artificial de núcleos de condensação, e utiliza compostos como iodeto de prata (por sua estrutura similar ao gelo e que atrai moléculas de água) e o gelo seco (CO2 sólido) em nuvens frias e úmidas. Essas partículas estimulam a formação de cristais de gelo, mas a técnica tem de a ser mais eficaz em climas com temperaturas abaixo de zero cujo topo atingem temperaturas de -10 °C a -25 °C, onde há vapor d’água super-resfriado disponível e sua precipitação é em forma de neve. Contudo, a falta de controle para essa manipulação requer que considere as condições secas do ar adjacente e a interferência da precipitação natural, bem como a brevidade da água super-resfriada antes do incremento dos compostos.
Outro processo é o higroscópico, em que flares pirotécnicos ou uma fina pulverização de solução salina altamente concentrada de íon cloreto são dispersados e favorecem a formação por colisão e coalescência das gotas, e, diferentemente do método estático em climas mais frios, esse é usado em áreas quentes em que a umidade é mais elevada. Por isso, em climas mais extremos, como a seca, podem ainda não ser suficientes. O caso recente que ficou famoso de chuva extrema em Dubai em 2024; se teve participação dessa manipulação artificial, foi muito pequeno. Isso porque as nuvens são muito sensíveis ao ambiente, então são as condições meteorológicas os fatores preponderantes para formação de chuvas. O método que leva em conta o aspecto higroscópico é interessante pois introduz embriões formadores de gotas considerando os seus tamanhos e favorecendo a coalescência.
Essa sensibilidade ambiental está diretamente ligada aos movimentos verticais que impulsionam a ascensão de núcleos de condensação. Esses núcleos podem ser introduzidos de forma antrópica na troposfera média, utilizando-se compostos como o iodeto de prata e gelo seco, o que amplifica o desenvolvimento das gotículas das nuvens aproveitando-se de maior umidade ascendente e liberação de calor latente. No entanto, para que essa técnica seja eficaz, as nuvens precisam atingir altitudes elevadas, onde a água se encontra em estado super-resfriado. Apesar do potencial, essa técnica é complexa e requer a harmonia de processos em sintonia e 100 vezes mais cristais de gelo no processo. Inclusive, essa abordagem já foi testada sem sucesso no Projeto Stormfury, que visava amenizar furacões. Essa tentativa inspirou debates no filme Tornados, mas a realidade ainda está longe de alcançar tal ficção.
Outra limitação está relacionada às propriedades físico-químicas do iodeto de prata que ainda são objeto de estudo para modelagem e aplicação na semeadura de nuvens de natureza glaciogênica. A eficácia do AgI depende não apenas das condições ambientais, como temperatura e umidade, mas também de características intrínsecas das nuvens, como tamanho, composição e estrutura superficial dos aerossóis, o que ajuda na nucleação. Além disso, a dispersão do AgI pelos ventos e sua interação com outros componentes atmosféricos são fatores críticos que influenciam o sucesso da semeadura. Isso porque as condições reais, a complexidade da atmosfera e a presença de outros aerossóis tornam o processo ainda mais imprevisível e pouco compreendido, limitando a replicabilidade da técnica. De qualquer forma, semeadura de nuvens não é ainda um consenso.
Referências usadas
BBC NEWS Brasil. Semeadura de nuvens: a polêmica técnica usada para tentar fazer chover em meio à crise hídrica. BBC News Brasil, 2023. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/articles/cg301wkzznno#:~:text=A%20semeadura%20de%20nuvens%20prev%C3%AA,e%20se%20transformar%20em%20chuva. >
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