Uma outra fonte do saber meteorológico
- Heleno Proiss Slompo
- 5 de mai.
- 4 min de leitura
O conhecimento tradicional em harmonia com a atmosfera

O desenvolvimento técnico da modelagem meteorológica avançou significativamente nos últimos anos, aumentando a capacidade de prever fenômenos meteorológicos, inclusive eventos extremos. Este avanço contribuiu para o planejamento de setores estratégicos da economia, especialmente a agropecuária. Embora o conhecimento meteorológico não seja recente — tendo avançado notavelmente no século XVII com a invenção do barômetro por Torricelli, um instrumento-síntese da meteorologia —, os saberes sobre os fenômenos atmosféricos remontam a tempos muito anteriores e ainda persistem em comunidades tradicionais que veem os fatores biofísicos como sua “bússola meteorológica” sem depender do conhecimento dos países do Norte.
No sertão nordestino, por exemplo, o comportamento de insetos é tradicionalmente usado como indicador climático. Formigas construindo seus ninhos em locais altos e secos, colocando suas crias na parte externa da morada e reorganizando seu espaço ao final do ano podem sinalizar a chegada das chuvas. Relatos populares também associam a invasão de abelhas, marimbondos e moscas às proximidades de um período chuvoso. Por outro lado, a ausência de filhotes nas tocas de tatus pode indicar a aproximação de uma seca. Sinais vindos das plantas também são observados, como a frutificação sazonal ou o surgimento de gramíneas, que refletem alterações no clima. Para o sertanejo, por exemplo, “as árvores choram a água do orvalho da noite”.
Essa forma de saber é conhecida como etnoclimatologia, uma abordagem que valoriza o conhecimento local, histórico, cultural e experiencial sobre os ciclos climáticos, desenvolvido por meio de uma coevolução entre o ser humano e o ambiente. Existe ainda o chamado climatismo religioso, que interpreta o clima tanto por uma perspectiva ecológica quanto por uma visão biocêntrica, reconhecendo-o como fator essencial à existência. Povos originários, como os Ticuna, representavam o comportamento atmosférico em seus rituais e artefatos. A observação das "Sete Irmãs" (Plêiades), prática milenar, indicava para eles o início do período chuvoso. Para os Xavantes, a presença de ventos intensos nessa mesma época sinalizava o momento das queimadas rituais para fins de caça norteados pelas “plêiades” também.
Um estudo interdisciplinar realizado na comunidade semiárida do Seridó Potiguar, na porção centro-meridional do Rio Grande do Norte, revelou que embora a maioria da população (67%) confie nas previsões meteorológicas transmitidas pela televisão, essas informações não atendem à escala local. Por isso, muitos continuam recorrendo às chamadas “experiências de inverno”, conhecimentos empíricos compartilhados por diversos grupos, baseados na observação da flora, fauna, fenômenos meteorológicos e astros. Para previsões de curto prazo, a experiência pessoal diante do clima, os sinais da fauna e os eventos atmosféricos observáveis são referências frequentes. Ainda assim, o ciclo das plantas— como sua fenologia e orientação — foi o mais citado entre os entrevistados e tem sido o mais recorrente em relatos tradicionais, em complemento ao comportamento animal.
Contudo, muitos povos tradicionais e agricultores familiares vêm abandonando parte desses saberes, uma vez que seus conhecimentos astronômicos e previsões meteorológicas não têm mais correspondido à realidade devido às mudanças ambientais, como as mudanças climáticas, que vem alterando o padrão atmosférico, sobretudo em regiões áridas e semiáridas. Em áreas da África, a exemplo dos pastores Afar da Etiópia, a inacessibilidade à informação e a dificuldade de interpretação científica dificultam a incorporação de previsões modernas. Ainda assim, muitos conhecimentos tradicionais apresentam forte correlação com descobertas científicas, o que abre espaço para uma possível coprodução de saberes entre escalas regionais e locais.
O conhecimento tradicional dos Afar — assim como o de outros povos — baseia-se em um ciclo constante de observação e feedback a partir de sinais biofísicos do ambiente. A floração de uma árvore, por exemplo, pode indicar aumento da umidade atmosférica antes mesmo que instrumentos detectem essa mudança. Quando esses povos percebem que um fenômeno natural (fator A) leva a outro (fator B), esse padrão passa a integrar seu repertório de saberes. No entanto, se a mesma observação passa a produzir um resultado diferente, rompe-se a previsibilidade, e o ciclo precisa ser reajustado. Esse rompimento é frequentemente compreendido como um ensinamento da natureza: “as tribulações da seca são compensadas pelas lições de sobrevivência que ela proporciona”. Ainda assim, a crescente variabilidade atmosférica provocada pelas mudanças climáticas tem tornado esses padrões menos confiáveis, levando muitas comunidades a recorrerem ao conhecimento científico para complementar ou reinterpretar suas práticas tradicionais de previsão do tempo.
Nesse contexto, as comunidades têm buscado estabelecer alternativas estruturadas para ações antecipadas ou reativas. Ações preventivas incluem o planejamento de festas tradicionais, preparo do solo para o plantio, produção de silagem, construção de cisternas e armazenamento de sementes. Já as ações reativas envolvem estratégias de adaptação como obtenção de empréstimos, migrações temporárias, ou a venda de animais improdutivos em alternativas secundárias mais radicais. As atuais gerações destes povos tradicionais têm sido mais flexíveis em considerar os conhecimentos científicos dado que a criação de calendários ambientais por estes povos, como os do Afar, não tem correspondido às novas condições da natureza.
Referências usadas
Balehegn, M., Balehey, S., Fu, C., & Liang, W. (2019). Indigenous weather and climate forecasting knowledge among Afar pastoralists of north eastern Ethiopia: Role in adaptation to weather and climate variability. Pastoralism, 9(1), 1-14.
Folhes, M. T., & Donald, N. (2007). Previsões tradicionais de tempo e clima no Ceará: o conhecimento popular à serviço da ciência. Sociedade & Natureza, 19, 19-31.
Nasuti, S., Curi, M. V., da Silva, N. M., de Andrade, A. J. P., Ibiapina, I., de Souza, C. R., & Saito, C. H. (2013). Conhecimento tradicional e previsões meteorológicas: agricultores familiares e as “experiências de inverno” no semiárido potiguar. Revista econômica do Nordeste, 44, 383-402.
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